Tempo de contato com o solo: melhore a simetria na corrida

Quem é fera na corrida sabe que a simetria importa, e muito! Uma das formas de se tornar mais eficiente e ganhar velocidade na corrida é justamente aplicar a mesma força ao lado direito e esquerdo do corpo. Isso reduz também a propensão a lesões.
O tempo de contato com o solo (TCS) é uma métrica que pode ajudar a aprimorar a simetria da sua corrida.
Mas, o que é isso? Este artigo não só explica o que é o TCS mas fornece dicas para melhorar a simetria de corrida através desta ferramenta chamada “tempo de contato com o solo”.
O que é o “tempo de contato com o solo”?
O TCS é algo que precisa ser equilibrado para fins de simetria. Antes de mergulhar nisso, vamos definir o que é o tempo de contato com o solo. Trata-se do tempo que seu pé permanece em contato com o solo durante a corrida. Para muita gente que corre, um TCS normal ficaria entre 200 e 300 milissegundos. Atletas de elite nas corridas de longa distância conseguem um tempo de contato com o solo inferior a 200ms.
Esta porção de contato com o solo da sua pisada na corrida também é conhecida como fase de apoio. A fase de apoio começa no momento em que o pé toca o chão e continua durante a fase intermediária, em que o pé “aguenta a carga” da pisada, terminando com o momento em que o dedão do pé levanta novamente do chão.
por que o tempo de contato com o solo é relevante?
Quem corre firme normalmente quer velocidade, e velocidade depende de nossa capacidade de aplicar rapidamente a força muscular sobre o chão. Quanto mais rápido você conseguir aplicar força sobre o chão, mais rápida será a propulsão, ou seja, a projeção do corpo para a frente.
Quando a ficha cai, pode parecer uma associação bem simples. Entretanto, faz décadas que cientistas estudam o elo entre o tempo de contato com o solo e a velocidade na corrida. Fato é que, até bem recentemente, o TCS era uma métrica basicamente inacessível, restrita a analistas de biomecânica trabalhando em laboratórios
A inovadora “tecnologia vestível” e o biofeedback
A tecnologia se alastra por toda parte, e acessórios fitness “vestíveis” revolucionaram nossa rotina fitness e também nossa forma de registrar o desempenho. Hoje em dia, há rastreadores e acelerômetros que oferecem um biofeedback preciso e em tempo real para quem os utiliza. E o melhor: este retorno sobre nosso desempenho biológico é realista!
Um estudo realizado em 2020 foi o primeiro a revisar os efeitos do biofeedback fornecido por acessórios vestíveis na biomecânica da corrida.(1) Os resultados foram positivos! Analisar o biofeedback sobre o TCS reduziu o deslocamento vertical (“quicar”) de atletas avaliados, além de reduzir também o tempo de corrida e elevar a flexão dos joelhos: tudo isso ajuda a melhorar o desempenho e prevenir lesões.
Isso nos traz à próxima evolução no biofeedback: equilíbrio do TCS.
O equilíbrio do tempo de contato com o solo…
…significa medir se o pé esquerdo e o pé direito estão tendo (quase) o mesmo tempo de contato com o solo.
O equilíbrio TCS é exibido normalmente como uma divisão em percentagem. Uma divisão tipo “50/50” é, teoricamente, a melhor possível, indicando um TCS igual para ambas as pernas.
Mas, na verdade, é bem raro o equilíbrio de TCS ser 50/50. Assim, proporções tipo 49% e 51% já são consideradas praticamente simétricas. Entretanto, se o seu equilíbrio de TCS estiver fora dessa proporção 49/51 (ou seja, com mais de 2% de desequilíbrio), a assimetria pode afetar seu desempenho e aumentar as chances de lesões.
Por que o equilíbrio do TCS importa?
Alguns rastreadores de atividade fitness são mais “papo de vendedor” que reais indicadores (ex.: oxigênio, saturação).(2)(3) Assim, o que é diferente para o TCS?
A simetria do tempo de contato com o solo é relevante porque… simetria sempre é relevante. Atletas de elite demonstram altos níveis de simetria: corredoras e corredores mais velozes são mais simétricos.(4)
Metabolicamente e biomecanicamente falando, a assimetria é desvantajosa. Na prática, um lado do seu corpo está trabalhando mais intensamente para compensar o outro.
Para um movimento dianteiro eficaz, o movimento “frente-trás” (sagital) é o ideal. Quando há desequilíbrio, esta energia é desperdiçada com o movimento do plano frontal do corpo (adução de quadril) ou do plano transversal (rotação de tronco) para contrabalançar a assimetria.
Exemplo: se uma perna for mais fraca ou menos flexível que a outra, tendemos a compensar através de uma oscilação excessiva do braço ou com rotação no tronco.
O que a ciência tem a dizer sobre o equilíbrio do TCS?
Recentemente, o International Journal of Exercise Science publicou uma pesquisa sobre o impacto do desequilíbrio de TCS na economia de corrida.(5)
Notavelmente, o estudo demonstrou que, para cada 1% de desequilíbrio no TCS, a economia de corrida foi reduzida em quase 4%.
Colocando em perspectiva: para um tempo de contato com solo na proporção 49/51 (ou seja, quando uma perna passa 2% mais tempo em contato com o solo que a outra), a energia necessária para correr nesta mesma velocidade será 7,4% maior!
Pensemos em uma pessoa com 70kg correndo a 15km/hr: o consumo de oxigênio seria elevado em ~4ml.kg.min. E só isso já seria uma grande fatia do V̇O2 máx.
A ciência não é muito clara sobre até que ponto a assimetria causas lesões.(6) Mas, na prática, ter músculos mais fracos em um lado do corpo faz o outro lado compensar. Esta mecânica compensatória cria mais tensão e carga para certos músculos e articulações, o que eleva o risco de lesões.(7)
Resumindo: equilibrar o tempo de contato com o solo dos pés ajuda a prevenir lesões, aprimorar a economia de corrida e alavancar o desempenho.
5 dicas para melhorar a simetria na corrida e o tempo de contato com o solo
1. Identifique a assimetria
Utilize a métrica do tempo de contato com o solo para descobrir qual perna é mais lenta. A perna que tem maior percentagem no equilíbrio TCS (ou seja, >50) é a que passa mais tempo em contato com o solo. A ideia é justamente trabalhar esta perna mais lenta.
Teste a assimetria: faça um alongamento ou exercício com cada uma das pernas. Basta isso para você identificar a diferença entre elas e ver qual é a mais forte, que proporciona mais equilíbrio e flexibilidade.
- Durante quanto tempo consegue manter o equilíbrio sobre uma perna só com os olhos fechados?
- Quando você faz uma passada ou afundo, observa que o joelho gira um pouco para dentro?
- Na hora de alongar os isquiossurais ou de deitar de costas, qual perna estica mais?
2. EStá cuidando das lesões antigas?
Se você está lendo até aqui, sabemos que se interessa muito por corrida e, provavelmente, já se lesionou aqui ou ali. Ora, sabia que, às vezes, as assimetrias são causadas justamente por lesões anteriores? A dor ou a fraqueza de um lado do corpo (o lado lesionado) pode causar supercompensação em outros. A assimetria se torna um círculo vicioso de supercompensação, causando ainda mais fraqueza para o lado lesionado devido à subutilização da musculatura.
Use o biofeedback do equilíbrio de TCS para corrigir as assimetrias quando estiver se recuperando de uma lesão. Esta dica vale também para retreinar o corpo após adaptações a lesões antigas.
3. Fortalecimento muscular já!
Para melhorar a simetria na corrida e superar desequilíbrios no tempo de contato com o solo, busque desenvolver força muscular.
Aposte em exercícios unilaterais, que trabalham uma perna de cada vez, como passadas/afundos e elevação de panturrilha: estes exercícios são eficazes em desenvolver a perna mais fraca e evitar que a perna dominante “assuma o controle”.
4. Flexibilidade e rigidez: o par perfeito
Falta de flexibilidade devido a lesões (por conta de tecido originado na cicatrização, por exemplo) aumenta a probabilidade de desenvolver assimetrias. Inclua exercícios de flexibilidade no seu cronograma de treino para superar a rigidez muscular decorrente de lesões.
A sua gama de movimentos precisa ser específica para a atividade física que você realiza. Não é preciso ter aquela flexibilidade de ginástica olímpica para correr longas distâncias. Na verdade, um pouco de “rigidez” até pode alavancar o desempenho.(8)
Um estudo recente indicou que quem corre costuma adaptar, de forma natural, a rigidez nas pernas ao tempo de contato com o solo: é uma combinação instintiva que visa aprimorar a economia de corrida.(9) Pense em uma mola dura: pernas mais rígidas “devolvem” mais energia de corrida após a compressão.
Incorpore exercícios pliométricos e unilaterais para as pernas na sua rotina de exercícios: assim, suas pernas ficam com a rigidez certa e o tempo de contato com o solo será reduzido.
5. Treine em pistas e terrenos variados
Correr sempre no mesmo tipo de solo pode exacerbar assimetrias. Tente correr em terreno intenso e de vários tipos para aprimorar o equilíbrio (propriocepção) e a força corporal.
Se seu hábito é correr em pistas de corrida com inclinação ou na areia da praia, que é sempre inclinada,, treine “na contramão” algumas vezes para contrabalançar os ajustes que o corpo faz para se adaptar à inclinação.(10)(4)
***